Passado Longínquo

Os Mistérios da Estrada Velha  

Há caminhos cuja história é tão rica quanto desconhecida. Sabemos que sobre eles pairam lendas, que as pedras sobreviveram ao longo de séculos e que por eles passaram os avós dos nossos avós e já haviam passado antes os bisavós dos nossos bisavós por aí fora até chegarmos aos hipotéticos construtores…os Romanos.

Existe em Loriga um caminho assim: antigo, resistente, que serviu durante toda a Idade Média e se manteve até ao final do século dezanove como meio de ligação entre aldeias e povoações.    

Será romano, de facto, este caminho que dantes toda a gente conhecia por “estrada velha”? Tudo depende da forma como foi construído. Muitas vezes, face a utilizações posteriores, em especial durante a Idade Média, os arranjos e remendos feitos ao longo dos séculos, tornam difícil destrinçar o que é romano do que é medieval. Ao certo, ao certo, somente uma escavação arqueológica permite, por vezes, deslindar o mistério e desfazer equívocos.

A verdade é que, perto do miradouro virado para Loriga, ao lado da casa do antigo guarda florestal existe um resto do traçado antigo que segue em direcção a Alvoco e que é cortado, num nível superior, pela estrada moderna. A partir desse desnível foi possível identificar alguns dos estratos de construção do caminho: lajes de grande porte, uma espécie de argamassa e o que parecia ser uma camada de saibro. Estas são algumas das características do método de construção dos Romanos. Talvez seja um bom indício a ter em conta.

A “estrada velha” passa por uma ponte medieval que atravessa a ribeira da Ponte e é muitas vezes considerada romana. Mas não é, embora essa reivindicação de origem lhe acrescente pergaminhos de antiguidade. Talvez no mesmo lugar tivesse havido anteriormente uma outra , ponte essa romana, pois existe uma vaga memória passada de pais para filhos de que antes desta houve uma outra que foi destruída e que algumas pedras terão sido reaproveitadas com outros fins.

Ao chegar ao cemitério de Loriga, a “estrada velha” já é paralela à estrada moderna que liga Loriga a Seia, corre sempre a meia encosta cortando a serra no sentido Nordeste- Sudoeste. Passa por um lugar chamado Chão do Soito onde consta terem sido encontrados vestígios arqueológicos romanos, segue em direcção a Malha Pão, passa pelo sopé do Monte Castelejo em direcção a Valezim. Depois de Valezim, o caminho vai para a Lapa dos Dinheiros em direcção ao castro de S.Romão, mas sem se aproximar muito. Depois o percurso torna-se mais confuso.

Que os romanos andaram por estas serras, andaram  (o próprio nome de Loriga é prova disso), e por isso construíram caminhos e acessos para poderem atravessar o território e atingir os seus grandes objectivos: encurtar as distâncias e o tempo, dominar o território para chegar às matérias-primas em segurança.

Romana ou romana-medieval, a “estrada velha” de Loriga tantas vezes cruzada por viajantes solitários, por gerações de vizinhos nas suas idas e vindas de trabalho e por almocreves a estugar o passo da mula para chegar com dia claro à terra seguinte, a salvo dos maus encontros, ainda tem muitas histórias por contar. E talvez a primeira seja saber quem a fez e por que razão e em que circunstâncias.

MJF

Bibliografia: ALARCÃO, Jorge, Portugal Romano, Ed. Verbo, Lisboa, 1987 ; MANTAS,Vasco,” A rede Viária romana no território Português” in História de Portugal, de João Medina, Ediclube, Lisboa 1993 ; BAILARIM, Susana “Elementos para o Estudo de  uma  ‘estrada velha’ da Serra da Estrela”  trabalho policopiado, Universidade Nova, 1996.


 
História, histórias e outras lembranças

Uma bela história conservada na tradição oral, mas que nenhum documento confirma, conta que, nas suas andanças pelos Montes Hermínios, os Romanos toparam com um lugar muito difícil de conquistar, parecia protegido por uma loriga, e Loriga ficou a chamar-se essa pequena terra perdida na Lusitânia.

A vila de Loriga, do latim lorica  nome dado a uma couraça usada pelos soldados fica abrigada numa garganta situada a 741 metros de altitude, protegida pela Penha do Gato, pela Penha dos Abutres e pelo cabeço da Perna do judeu, em plena serra da Estrela. Não terá sido sempre assim pois, segundo explicações, também ainda por comprovar documentalmente, a primitiva aldeia situar-se-ia no monte do Castelejo, nome que, só por si, sugere a existência de um castro. Posteriormente, esse castro teria sido abandonado em favor de uma zona menos elevada, o Chão do Soito. A justificação seria que estes antepassados remotos precisavam de se aproximar mais da água.

Estas mudanças, a terem existido, deixam mais interrogações do que certezas.

Jorge Alarcão, um especialista dos Romanos em Portugal, refere numa das suas obras, que terão existido estruturas no Castelejo até cerca de 1760, mas, acrescenta que, ao visitar o lugar, mais de um século e meio depois, nada encontrou que pudesse comprovar a tese da existência do castro. O abandono de castros não é coisa inédita no país, podia ocorrer por diversas razões, nomeadamente, pela alteração dos recursos naturais ou mudança das actividades das populações.

Quanto ao Chão do Soito, já há mais qualquer coisa de visível. Aliás, nesse lugar passou-se um caso interessante nos anos setenta (do século XX): o proprietário dos terrenos confrontou-se com um grande problema relacionado com árvores de fruto. As macieiras que plantava no local cresciam pouco e acabavam por morrer. Intrigado, o presidente da Junta de então (Joaquim Gonçalves de Brito) passou pelo local e o proprietário mostrou-lhe umas “pedras” que tinha encontrado ao lavrar o terreno. As ditas pedras eram três mós, uma base de coluna e algumas tegulae e ínbrice (telhas e tijolos, material de construção romano). Nos anos 90, ainda era possível encontrar “cacos” desse material romano no terreno.

No Chão do Soito também foram detectadas minas de caulino. Talvez valha a pena recordar que os Romanos utilizavam este mineral no fabrico de argamassa para a construção de muros e estradas e que por outro lado, bem perto passa a “estrada velha” de Loriga que, com toda a probabilidade, é de construção romana.

Que há por Loriga um passado romano sempre à espreita, é verdade, só falta aprofundá-lo. Mas não só, quem vê a vila pequena e modesta ,  encaixada naquela garganta de terrenos férteis não imagina o que por ali já passou.

Muitos séculos depois de as legiões romanas terem partido, Loriga manteve-se escudada no seu nome antigo e alternou os tempos de penúria com outros de algum desafogo. Foi sede de concelho por foral de D.Manuel I de 1514 (T.Tombo; livro dos Forais Novos da Beira) com direito a pelourinho. Extinto o concelho no século XIX, sumiram-se as pedras do pelourinho.

Ficaram, contudo, outras memórias. Só para recordar algumas…o tempo dos teares e da fiação da lã, com as suas numerosas fábricas que fizeram de Loriga um importante centro têxtil; a debandada para os seringais do Amazonas, para os comércios de Belém do Pará e para a Lisboa da fábrica de louças de Sacavém onde tantas famílias criaram raízes.

E não podemos esquecer um acontecimento infausto mas que também marcou Loriga. Foi quando, na Segunda Grande Guerra, um avião aliado, perdido no nevoeiro, veio esmagar-se (em Loriga, ter-se-ia dito esfeijoar-se?…) na Penha do Gato matando os seus seis ocupantes. E como se fossem filhos da terra, os seus corpos lá ficaram enterrados num lugar especial no cemitério de onde se desfruta uma das mais esplendorosas vistas de Loriga.

MJF

Bibliografia :; ALARCÃO,Jorge, Portugal Romano, Ed.Verbo, Lisboa,1987; ALARCÃO, Jorge, Arqueologia da Serra da Estrela, Ed.Instituto Conservação da Natureza da Serra da Estrela, 1993;BAILARIM, Susana, “Levantamento Arqueológico do Concelho de Seia” P.A.P. Escola Profissional de Arqueologia (Freixo),trab. Policopiado, 1995,