Recordando… A Importância da Broa na Alimentação dos Loriguenses.
A Broa tem sido, ao longo dos tempos, um alimento de vital importância para Loriga e para os Loriguenses.
Assumiu, mesmo um carácter de, quase exclusividade, durante o período da 2ª Guerra Mundial (1939/45).
Mas não podemos dissociar a Broa, do produto que lhe dá origem, o milho. Assim, teremos que compreender, também, a importância deste na economia de Loriga, ao longo do tempo.
O facto é que a agricultura de Loriga dependeu do milho durante um largo período, o que fez com que a Broa, assumisse tal relevância no contexto da alimentação dos seus habitantes.
Mas… vamos recuar no tempo!
Detenhamo-nos no reinado de D. José I, por volta dos anos 60/70 do Século XVIII.
Após o Terramoto de 1755, o Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, Secretário de Estado (uma espécie de Primeiro Ministro) do Rei D. José, mandou emissários a várias localidades do país onde o Terramoto havia feito estragos, no sentido de apurar os prejuízos e procurar minorá-los promovendo a reconstrução do que havia sido destruído.
Ora, esse emissário, de acordo com documentação existente na Torre do Tombo, para além de descrever os prejuízos, faz também uma breve caracterização das localidades que visita.
O emissário envia o seu relatório ao Provisor do Bispado de Coimbra e, é através desta descrição, que ficamos a saber que, nessa altura, em Loriga não havia, praticamente, terras de cultivo.
Refere no nº 18 do Capítulo III, o seguinte: “Esta vila e os moradores dela, fazem uso livre das águas destas ribeiras para alguma hortinha que tem, ou algum grão de milho, mas é muito pobre porque não tem terras para produzir por serem tudo fragas.”
Ora, a partir desta descrição podemos concluir que os socalcos que hoje conhecemos em Loriga e as Malhadas que surgiram nas margens das ribeiras, terão sido edificados após esta data. Tudo leva a crer, que em meados do Século XIX (1850), altura em que também começa a industrialização de Loriga.
Durante o Século XX, o Milho e a Broa assumiram um papel importantíssimo na economia de Loriga, porque foram entretanto criadas condições para o seu cultivo.
As Malhadas do Tapado, da Redondinha, do Regato, da Canada e da Regada, para falar só das mais significativas, são terrenos com áreas consideráveis, que não podiam ser relatados pelo emissário, pelo simples facto de que não existiam na época.
Sem podermos afirmar com total certeza, inclinamo-nos para a tese de que, alguns dos empreendedores dos Lanifícios, pensando no aproveitamento da água como força motriz para as suas fábricas, promoveram, também, a transformação da paisagem, no sentido de criar condições de sobrevivência, para um acréscimo de população induzida pela industrialização.
É, aliás, defensável que essa transformação tenha surgido imediatamente antes da industrialização.
Os Poços de Loriga, construídos na serra, datam certamente dessa altura. Para além de aumentarem os caudais das ribeiras para produzir maior força motriz, permitiram, ainda, a irrigação dos terrenos entretanto criados.
Para isso criou-se a figura do “Girador” que geria a distribuição da água pelos terrenos de cultivo.
Estavam assim criadas as condições para começar, do ponto de vista dos empresários, que também eram os donos das terras, uma vez que eram os responsáveis da transformação de “fragas” em terrenos aráveis, a produzir o milho e a batata, substituindo as castanhas e o centeio que são referidas pelo emissário citado no nº 15 do Capítulo I: “Os frutos da terra que os moradores recolhem são: centeio e castanhas, porém, não é o suficiente para sustentar os moradores da terra.”
Moradores, que de acordo com a mesma fonte seriam…“aproximadamente oitocentas e oitenta pessoas, distribuídas por cento e oitenta e quatro povinhos.”
Sobre os poços da serra, ouvi ao meu avô algumas histórias que relatavam as dificuldades encontradas e que tiveram de ser ultrapassadas para a sua construção. E resumia numa espécie de “lengalenga” o que lá se passou – “Foi com chancas e alavancas, cuínhas e mais cuínhas… e também marras (marretas)…água e mais água, Senhor do Calvário!”
Com isto pretendiam os nossos ancestrais representar as dificuldades encontradas na sua construção, mas também a alegria e a felicidade pelo resultado obtido e pela sensação do dever cumprido.
Eis-nos chegados à época da prosperidade!
Loriga desenvolveu-se com a industrialização mas também a agricultura empregou muitas pessoas e a auto-suficiência, permitia-lhe prosperar.
Entretanto, a população aumentava e as necessidades de abastecimento aumentavam na mesma proporção. Pelo que a produção agrícola era consumida na totalidade, não permitindo armazenar, no sentido de criar reservas.
O Milho, principal cultura agrícola, permitiu a abertura de cerca de uma dezena de moinhos. O negócio da panificação também prosperou, a par da tradição dos fornos comunitários onde se cozia a famosa Broa de Loriga.
No entanto, essa quase dependência do pão de milho, em tempos de crise, assumia-se como um factor de agravamento dessa mesma crise.
Prova disso é a carta que a Freguesia de Loriga dirigiu ao Delegado da Intendência de Abastecimentos do Distrito da Guarda em 27 de Maio de 1944, enquanto decorria a 2ª Guerra Mundial. Era uma época em que tudo era racionado, As produções agrícolas eram supervisionadas pelas autoridades, que por sua vez redistribuíam de acordo com critérios de controlo muito apertados.
Começa a carta por fazer um ponto da situação em Loriga, relembrando os números da população:
“Loriga, centro populacional com 735 fogos e cerca de 3000 habitantes, empregando em sete fábricas de lanifícios aproximadamente 400 operários, não possui terrenos agrícolas que possam ocorrer às suas necessidades e desde sempre a agricultura local, não dá para mais de cinco escassos meses do seu consumo”.
Explica de seguida como, em condições normais, a população de Loriga satisfazia as suas necessidades, socorrendo-se da produção das povoações vizinhas que, não tendo tanta população, escoava a sua produção excessiva para a nossa terra.
“Em tempos normais, os povos circunvizinhos, nomeadamente Alvôco da Serra, Sazes da Beira e Valezim, tinham Loriga como centro consumidor dos produtos que ali sobravam e, nomeadamente do milho. Hoje, infelizmente, não se sabe porquê, esses povos não só deixaram de nos abastecer mas nem sequer o têm para seu consumo e nós vamos entrar mui brevemente numa situação que se nos afigura a mais angustiosa.”
Referia, ainda, a carta que havia sido prometido pela autoridade concelhia um acréscimo de milho colonial para o abastecimento de Loriga, mas que até à data não passava disso mesmo, promessa. Por outro lado, informava que a Delegação local da Comissão Reguladora da Freguesia, tinha entregue às padarias a quantidade de milho existente, no sentido de estes, procederem a uma distribuição diária de pão, de forma equitativa, de acordo com as necessidades de cada família, alertando que…“dentro de uma semana mais de 200 famílias, que diariamente recebiam pão de milho, ficarão de todo sem ele e, nas padarias apenas fica a ser distribuído o contingente de trigo que, para todos, serão umas escassas migalhas.”
Várias cartas deste tipo foram encontradas, em que os responsáveis de Loriga alertavam para a escassez de milho, numa terra que tinha como base da sua alimentação este cereal.
Por outro lado, um outro testemunho pode ser encontrado numa outra mensagem de outra data, penso que de 1942, em que se pedia à comissão de racionamento, uma atenção especial para o caso de Loriga, no que dizia respeito às quantidades de café e açúcar atribuídos à nossa freguesia. Argumentava-se que os operários tinham por hábito comer café com leite migado com broa, ao pequeno-almoço e esta era para muitos a única refeição do dia.
Um último testemunho chegou-me através do meu avô: o Ti Jaquim “Faztudo”.
Contava que, no tempo da guerra, o milho que se produzia em Loriga, tal como o centeio e outras produções eram controlados pela Comissão de racionamento.
Mas ele tinha cultivado algum milho e guardou-o numa barrica que escondeu na loja da sua casa, no Vinhô, tendo colocado uma pilha de lenha em cima da barrica. Assim, caso fosse fiscalizado, não encontrariam nada, apenas lenha, plenamente justificada porque a minha avó cozinhava num fogão de lenha.
Ora, com esse milho, a Sra. Amélia Florêncio, minha avó, amassava, semanalmente, uma maceira de milho para cozer broa e, todos os Sábados, distribuía na porta do quintal, parte dessa broa aos pobres de Loriga, que, na altura, segundo ele, os havia em abundância.
Com estes e outros episódios que, certamente os haverá em quantidade, pretendemos ilustrar não só, a tradição da Broa em Loriga, mas, acima de tudo, a importância extrema que ela assumia na alimentação dos loriguenses nossos antepassados.
Pinto Gonçalves